Tuesday, March 29, 2005

 

Dias de pequenas dores

Me cortei com uma idéia hoje. Foi rápido, num susto, quando vi já estava sangrando. Nem vi de onde ela veio, depois do corte eu meio que saquei o porquê, mas na hora só percebi quando o estrago já estava feito. Acontece as vezes, quase como um corte de papel. Parece impossível na teoria, mas na prática dói e demora para sarar. Nostalgias costumam ser doces e depois deixar o presente azedo que às buscou como tempero ainda mais desagradavel ao paladar. Saudades são invetáveis cacos que temos por dentro e dependendo de nossos movimentos ou de como paramos espetam ou cortam. Essa idéia foi uma gilete que surgiu só para abrir a pele superficialmente e depois desapareceu como veio. Depois eu vi de onde, mas nem fazia mais diferença. Eu fiquei com o machucado e fui tratar dele. Só podemos cuidar do que podemos cuidar, mas, às vezes, ver a pele cada vez mais marcada, cada vez mais grossa, se torna uma idéia cortante.

Monday, March 28, 2005

 

Sobre pe(r)didos

Pedidos foram feitos, mas nós os perdidos escutamos com a cara passiva de quem não pode ajudar nem a si. Anoitecia, mas a noite não ajuda nem atrapalha quem já não se acha. Às vezes é descanso, às vezes medo. Às vezes a salvação do dia, de tudo, antes que o sono lave os pratos e exija recomeço. Eu sempre ouvi pedidos melancólicos, nem sempre dirigidos a mim. Mas quem não? Eu ouvi sussurrados, chorados, desesperados e cantados. Ouvi cínicos e ouvi agressivos. Ouvi até sinceros, e estes, são de partir o coração.
Meus cacos pulsam frágeis esses dias.

Saturday, March 26, 2005

 

Talvez o mais importante seja rir

"O humorismo é o único momento sério e sobretudo sincero da nossa quotidiana mentira" (G. D. Leoni).

Saturday, March 19, 2005

 

Cortes

Eu cortei meu cabelo com uma faca por que, se eu não precisava me machucar para mostrar minha dor, eu tinha pelo menos que demonstrar que eu estava fora. Não estava, não era normal. Não ia participar da brincadeira, pedi tempo, criei uma especie de distância. Quando peguei a faca nem sabia o que ia fazer, fiquei olhando pra ela, pensando. Facas pra mim são o abismo portátil. Belas, suaves e violentas a um só tempo. Inertes, frias, a primeira máquina, a chave de saída. Dor. Um símbolo de desespero e gênio. O vento do abismo está na proximidade da lâmina.
Eu brinco com o fio cortante. Com respeito. Eu testo-o contra minha pele, exerço pressão. Gosto de olhar e ver exatamente onde ele divide o ar. Gosto de movimenta-lo, de ter a faca como extenção do braço, gosto da ferramenta.
Cortei o cabelo, ficou uma merda. Depois eu acerto, quando passar. Depois eu lavo a faca, e a coloco, já muito longe de suas ancestrais selvagens, domada, na gaveta da cozinha. Outro dia, quem sabe, eu a levo pra passear de novo.

Friday, March 18, 2005

 

Lactantejante

O leite que eu tomava quando era criança era mais barulhento que os outros. Era fúrioso, angustiado, mas tambem irônico, cínico. Era diferente enfim. Eu não cresci na mesma luz, seguindo o mesmo caminho, fazendo as mesmas perguntas. Eu cresci perdido, desconfiado e com medo de ir dormir.

Quando ela disse que meu gosto era estranho eu disse: só acredito se você me provar.

O leite que eu produzo não poderia ser muito alheio a mim, tinha que traduzir-me inevitavelmente. Só assim seria real, só assim seria meu. Por isso não mais o escondo. Mostro a quem interessar possa, há quem critique, veja nele um mau gosto, mas há quem goste, quem dele extraia o que lhe inebria, o que punge. E é ai que eu valho a pena. Que meu corpo encontra sua utilidade, seu talento, seu porquê.

Ela me provou. Me convenceu não com argumentos mas com o êxtase que à eles supera. Me provou com prazer. A partir dai, para o bem ou para o mal assumi meu gosto como estranho. Eu mesmo, como estranho ao que era até então. Como pessoas estranhas.

Sei que meu leite é barulhento como o que me alimentava, sei também que é doce, liricamente obsceno, infatigável, inconformado, pessoal, e, a cada dia, mais verdadeiro.

Não ordene, ordenhe.

Cahê

Saturday, March 12, 2005

 

Trecho do diário de Krebs (meu tolo irmão...)

Kowalsky aquele safado!! Casou-se com uma jovem teuto-bahiana que ele mesmo ajudou a criar! Está nos arquivos da capela de yonenbuk, um raro caso de sincretismo tantrico cristão, perto de grunyere, na suiça. Um indigno imitador de grandes humoristas judeus, isso o que ele sempre foi! Safado como ele só, diz-se que botou a própria amante, notória rameira parisiense, como dama de honra. Uma afronta não só aos bons costumes e as familias presentes, como a própria religião. Dou o braço a torcer: nada poderia ser mais kowalskiano.
A noiva, obedecendo aos seus obscenos designios, usava um exótico penteado como se seus cabelos tivessem sido trançados em cordas. Chama-se dizem dreadlocks, parece que tem relação com algum paganismo caribenho ou coisa que o valha. À boca pequena comenta-se que era tara do reverendo K. casar-se com uma mulher que exibisse esse penteado junto ao vestido de noiva. Cada dia mais insano, cada dia torna mais uma de suas insanidades realidade...
O único alento do dia foi a presença de mamãe, Lady Norma, sóbria antes da cerimonia que é claro abençoou. Já na festa, transtornada por flutes de champanhe
e música sul-americana, Começou a desfiar em altos brados suas depravações e seu histórico pouco respeitável. Confesso que a visão de Sophie me abalou, mas dividi-la com Prócopio jamais! Acabei saindo da festa com o embaixador de cracatoa que tem por direito o exercicio supra-nacional do juizo de paz e professa uma bela filosofia laica, apropriada a situação. Exótico, estangeiro e culto, quer me levar pra sua ilha. Será que devo ir??

Waldemar Krebs

Kowalsky sabe, Kowalsky conta...

 

suavidade descrita em luz Posted by Hello

Tuesday, March 08, 2005

 

Canção do rude enlevo

Bricavamos de lutar, de nos ferir com a força de nossos desejos. De dominar-nos, um ao outro, com músculos ou aninho. Brincavamos dizer verdades como se nada fossem e isso nos tornava tão leves. Brincavamos então de sobrevoar noturnamente a massa viscosa em seu momento de resfriamento. Brincavamos até de viver de um jeito nosso, onde o momento era incrivelmente lúcido e prazeiroso ao mesmo tempo, negando assim tudo o que até então nos havia sido ensinado. Como o tão bom poderia estar tão presente sem ser viagem, sonho ou ficção? Tudo o que até então era escape, era agora presença.

Cahê, de volta!!

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