Friday, March 18, 2005

 

Lactantejante

O leite que eu tomava quando era criança era mais barulhento que os outros. Era fúrioso, angustiado, mas tambem irônico, cínico. Era diferente enfim. Eu não cresci na mesma luz, seguindo o mesmo caminho, fazendo as mesmas perguntas. Eu cresci perdido, desconfiado e com medo de ir dormir.

Quando ela disse que meu gosto era estranho eu disse: só acredito se você me provar.

O leite que eu produzo não poderia ser muito alheio a mim, tinha que traduzir-me inevitavelmente. Só assim seria real, só assim seria meu. Por isso não mais o escondo. Mostro a quem interessar possa, há quem critique, veja nele um mau gosto, mas há quem goste, quem dele extraia o que lhe inebria, o que punge. E é ai que eu valho a pena. Que meu corpo encontra sua utilidade, seu talento, seu porquê.

Ela me provou. Me convenceu não com argumentos mas com o êxtase que à eles supera. Me provou com prazer. A partir dai, para o bem ou para o mal assumi meu gosto como estranho. Eu mesmo, como estranho ao que era até então. Como pessoas estranhas.

Sei que meu leite é barulhento como o que me alimentava, sei também que é doce, liricamente obsceno, infatigável, inconformado, pessoal, e, a cada dia, mais verdadeiro.

Não ordene, ordenhe.

Cahê

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