Wednesday, December 14, 2005

 

arados, ventres e flores...

"[...] e era, Ana a meu lado, tão certo, tão necessário que assim fosse, que eu pensei, na hora fosca que anoitecia, descer ao jardim abandonado da casa velha, vergar o ramo flexível de um arbusto e colher uma flor antiga para os seus joelhos; em vez disso, com mão pesada de camponês, assustando dois cordeiros medrosos escondidos nas suas coxas, corri sem pressa seu ventre humoso, tombei a terra, tracei canteiros, sulquei o chão, semeei petúnias no seu umbigo; e pensei também na minha uretra desapertada como um caule de crisântemo, e fiquei pensando que muitas vezes, feito meninos, haveríamos os dois de rir ruidosamente, espargindo a urina de um contra o corpo do outro, e nos molhando como há pouco, e trocando sempre através das nossas línguas laboriosas a saliva de um com a saliva do outro, colando nossos rostos molhados pelos nossos olhos, o rosto de um contra o rosto do outro, e só pensando que nós éramos de terra, e que tudo o que havia em nós só germinaria em um com a água que viesse do outro, o suor de um pelo suor do outro; e nesse repouso de terras e tantas águas, alguém baixou com suavidade minhas pálpebras, me levando, desprevenido, a consentir num sono ligeiro, eu que não sabia que o amor requer vigília[...]"


do livro "Lavoura Arcaica", de Raduan Nassar

semeado por Raduan mas colhido por João Victor nas terras úmidas e aradas de Ana...

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